domingo, 2 de outubro de 2011

Greve dos professores no Ceará: uma contribuição ao debate


por Bruna Dantas, no Amálgama

Estamos vivendo um momento histórico na educação brasileira. A lei nacional do piso salarial dos professores, promulgada em 2008, após dois anos de espera pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação de inconstitucionalidade impetrada por cinco governadores, dentre eles o do Estado do Ceará, Cid Gomes, foi declarada completamente constitucional pelo referido tribunal.
Em face da resistência do governo em cumprir a lei respeitando a carreira, os professores do Estado do Ceará decretaram greve a partir do dia 5 de agosto de 2011. A reivindicação central do movimento paredista é a implementação da Lei Nacional do Piso Salarial (Lei nº 11.738/08) na atual carreira (Lei nº 12.066/93). Passados quase dois meses, os professores permanecem em greve, pois a referida reivindicação ainda não foi atendida.
Podemos elencar os pontos centrais da lei do piso salarial dos professores:
  • Conceito de piso: “O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.” Art. 2º § 1º;
  • Valor do piso: Quando da promulgação da lei, em 2008, foi fixado um vencimento básico inicial de carreira de R$ 950,00, tendo como referência o professor com formação de nível médio;
  • Índice de reajuste: O piso deverá ser atualizado anualmente em janeiro. A atualização deverá ser feita utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano;
  • Tempo de planejamento: A lei determina o máximo de 2/3 da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
– Por que os professores permanecem em greve? –
Apesar do que tem sido veiculado pela mídia, após reunião dos professores com o governador Cid Gomes, que se realizou no último 22 de setembro, não houve compromisso por parte do governo em garantir as principais reivindicações da categoria.
A lei do piso salarial fixou um vencimento básico mínimo inicial para as carreiras, tendo como referência os professores com formação de nível médio. Hoje, esse valor devidamente atualizado, é de R$ 1.597,87. A lei determina o piso para o professor com formação de nível médio, porque os Estados e municípios ainda têm em seus quadros professores que não têm nível superior. De forma que as carreiras iniciam pelo nível corresponde à formação de nível médio.
Falando especificamente da atual carreira dos professores do Estado do Ceará, a mesma é composta por 30 níveis. O nível 1 da atual carreira corresponde ao professor com formação de nível médio. Os professores graduados estão no nível 13, os especialistas, nível 21, os mestres, nível 25 e doutores, nível 28. Os interstícios entre os níveis correspondem a uma diferença de 5% e à medida que o professor avança na carreira, tem aumentos correspondentes. Essa explicação se faz necessária para que se compreenda qual omaior gargalo nas negociações com o governo do Estado.
Sendo o piso o vencimento inicial da carreira e tendo os professores cearenses uma carreira, que é a lei nº 12.066/93, o que seria lógico? Que o governo aplicasse o piso para a referência 1 da carreira (referência inicial), repercutindo, consequentemente, em todos os demais níveis.
Porém, o governo tem a interpretação de que o piso salarial é somente para os professores que têm formação de nível médio. Hoje, a ampla maioria dos professores do Estado do Ceará tem formação de nível superior, muitos têm especialização, mestrado ou doutorado. Segundo o governo do Estado, são apenas 114 professores na ativa que têm nível médio de um total de 14 mil.
O governador Cid Gomes assume que vai cumprir a lei para os 114 professores que têm formação de nível médio, e para não valorizar os outros professores (ressalte-se, a imensa maioria da categoria), pretende mudar a carreira.
Mas será possível sustentar que uma lei que foi resultado de anos de luta de professores e professoras, que tem como objetivo básico valorizá-los, por entender que sem isso não se pode avançar no nosso atual quadro educacional, deve ser aplicada somente a 114 professores em um universo de 14 mil?
Respondemos que não. A lei do piso salarial deve valorizar toda a carreira. E não estamos reivindicando nada excepcional, apenas que o governo mantenha nossa carreira atual, que é uma lei de 1993, e que aplique nela o piso salarial.
Infelizmente, parece que o governo quer nos dar com uma mão e tirar com a outra. Sua intenção, demonstrada em reunião com os professores, e registrada em ata, é desvincular as carreiras de nível médio e superior, ou seja, destruir nosso atual plano de cargos e carreiras.
Isso implicará em que os professores que têm nível superior, a grande maioria, não terão nenhuma repercussão em seus vencimentos com a aplicação do piso salarial. Isso é mais inaceitável quando lembramos que anualmente o piso será reajustado em janeiro. Ora, ao fazer a desvinculação das tabelas de nível médio e superior, isso significará que professores graduados e pós-graduados nunca terão direito aos devidos reajustes fixados na lei do piso salarial. E uma lei que teve por intenção valorizar a carreira não terá nenhum efeito para a imensa maioria dos professores.
Há discordância, também, quanto ao valor atual do piso. O valor atual, calculado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), é de R$ 1.597,87, e aquele orientado pelo MEC é de R$ 1.187,00. Lembrando que o MEC não legisla, a nossa luta é pelo piso de R$ 1.597,87, valor este que foi calculado a partir do índice de reajuste estipulado pela lei — ponto, aliás, que jamais foi questionado no STF, estando em pleno vigor desde 2008.
Quanto ao 1/3 da jornada de trabalho para atividade extraclasse, houve avanço nas negociações com o governo do Estado. Nas reuniões com os professores, o governo comprometeu-se a implementar gradativamente o 1/3 de planejamento, garantindo, inclusive, concurso público em 2012, para que tal medida possa ser concretizada.
Por fim, queremos dizer à sociedade que entendemos que a greve acarreta prejuízo a todos, mas que é instrumento legítimo da classe trabalhadora na luta por educação púbica de qualidade.

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