domingo, 16 de outubro de 2011

Honoris causa ou “precisava”…?


Por Caio Christiano, no Lin.guis.ti.ca.men.te

O instituto universitário em que trabalho aqui na França resolveu homenagear o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva com o título de honoris causa. A notícia causou certa celeuma entre alguns jornais e jornalistas que chegaram ao cúmulo de vir cobrar do presidente da universidade que o título não fosse dado à Lula (lembremos que os membros da comissão já haviam decidido por unanimidade que o título seria conferido) já que ele não possuía diploma universitário (talvez esses jornalistas devessem ir ao dicionário buscar a definição de honoris causa).
Discussões políticas à parte, a direção da universidade havia decidido que todos os alunos do campus em que trabalho, o de Poitiers, cidade  que fica a, mais ou menos, 350 km de Paris, seriam convidados a assistir à cerimônia. Nada mais justo, pois nesse campus são feitos estudos sobre a América Latina e todos os alunos têm a obrigatoriedade de falar o português e o espanhol, que são, junto com o francês e o inglês, as línguas oficiais do campus.
Os alunos então decidiram (de livre e espontânea vontade, diga-se de passagem) de fazer algo diferente para homenagear o homenageado e decidiram cantar-lhe uma canção que eu lhes havia passado há algumas aulas, “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré. Vieram me perguntar se poderia causar algum mal-estar, se por acaso essa canção tinha alguma conotação política que pudesse, de alguma forma, ofender o ex-presidente. Como lhes disse que não, pelo contrário, prosseguiram com o projeto e os alunos dos níveis mais avançados, com os quais eu havia usado a música em curso, se apressaram a imprimir letras e ensinar aos alunos mais novos (que começaram a aprender o português há apenas 3 semanas) a cantar a música. Ao final da cerimônia, todos cantaram com alegria e via-se em seus olhos a satisfação de terem feito alguma diferença, ainda que mínima, no mundo, numa língua estrangeira. E essa língua estrangeira era o nosso português, tão pouco ensinado mundo afora.
Qual não foi nossa surpresa quando no dia seguinte vimos que o site terra.com havia publicado uma notícia em que se lia o seguinte trecho:
« Lula ainda teve o discurso interrompido diversas vezes por aplausos e, ao final da cerimônia, teve direito a uma homenagem com carregado sotaque francês: em português e com a letra nas mãos, os alunos entoaram “vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, refrão da famosa música ‘Para dizer que não falei de flores’, de Geraldo Vandré. »
Na aula de hoje de manhã, uma aluna veio me dizer: “precisava ressaltar o sotaque francês? Precisava ressaltar que alguns tinham a letra nas mãos?”.
Pois é, precisava? Por que será que no mesmo site pode-se ler frases como as seguintes:
« A cantora (Shakira) falou em português durante toda a entrevista »
« Vocalista Brian Molko falou em português com os fãs »
« Como no Rio de Janeiro, Waters começou o show sem atrasos, às 21h05, com a música In The Flesh, e arriscou um “obrigado” em português. »
« Jamie Cullum falou em português com a platéia »
Eles que falam com tanto orgulho de cantores que aprendem a palavra « obrigado »… Será que precisava criticar o português desses alunos que tanto querem aprender a nossa língua? Ou será que não era o português deles que eles criticavam…
Francamente, precisava?

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