Azenha, neste texto, provoca uma discussão profícua que nos deixa em alerta sobre qual politica devemos fazer. Boa leitura!
Por Luiz Carlos Azenha, no Vi o mundo
Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu um artigo sugerindo rumos para a oposição ao governo Dilma, na revista Interesse Nacional, reproduzido aqui, a mídia corporativa, que obedece primariamente ao princípio da espetacularização comercial da notícia, pinçou uma frase do texto, em que FHC supostamente desprezava o povão, para gerar um debate que perdurou alguns dias na blogosfera.
Porém, como já notou o Gilberto Maringoni de Oliveira, aqui, há mais substância no texto que uma leitura rápida sugere.
Recorto alguns parágrafos:
“Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de “classe C” ou de nova classe média.
Digo imprecisamente porque a definição de classe social não se limita às categorias de renda (a elas se somam educação, redes sociais de conexão, prestígio social, etc.), mas não para negar a extensão e a importância do fenômeno. Pois bem, a imensa maioria destes grupos – sem excluir as camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista – está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc.
É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos. Se houver ousadia, os partidos de oposição podem organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida não a diretórios burocráticos, mas a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas”.
Infelizmente, talvez por conta de sua posição na hierarquia partidária, FHC não avançou na questão-chave, que o obrigaria a admitir o fracasso da direção do PSDB — e sua política de conchavos de bastidores, que exclui a grande maioria dos brasileiros, muitos dos quais votaram em José Serra em 2010: o uso das redes sociais para fazer política cotidiana tem como força motriz básica o descompasso entre os partidos políticos em particular e as instituições em geral e as demandas dos eleitores, filiados ou não.
Esse descompasso só se torna mais agudo por uma particularidade das redes sociais: elas aceleram o chamado “processo político”, enquanto a resposta às demandas se dá nos passos jurássicos da burocracia estatal, em todas as esferas.
Um exemplo particular tivemos no já famoso caso da estação de Metrô de Higienópolis: um único internauta, aparentemente insatisfeito com uma decisão tomada a partir do lobby de uma associação de moradores do bairro, sem considerar os interesses do conjunto da cidade de São Paulo, conseguiu arregimentar mais de 50 mil pessoas em um protesto virtual que, em seguida, se materializou de forma autônoma e apartidária nas ruas. Por ironia, aqueles profissionais de “tecnologias de informação” aos quais se referiu FHC muito provavelmente se juntariam à manifestação do Higienópolis, contra a política pouco transparente do Metrô de São Paulo na definição dos locais em que implanta estações.
Como troca horizontal, de várias mãos de direção, entre iguais, “transparência” é um dado essencial na blogosfera e nas redes sociais.
Como notou o blogueiro Eduardo Guimarães, aqui, os colunistas de jornal que foram ao protesto miraram no particular (a suposta falta do “povão” na manifestação) e perderam o essencial: as redes sociais são muito eficazes para promover o que eu chamaria de “coalizão de vontades”. Não estive no protesto de Higienópolis, mas me arriscaria a dizer, a partir de relatos que vi e ouvi, que ele foi importante por demonstrar que há um número crescente de eleitores que exigem participar da definição de políticas públicas.
Foi uma coalizão de vontades que derrubou o governo do Egito, em manifestações que ganharam força depois que um blogueiro chorou numa entrevista de televisão, conforme noticiamos aqui.
O que me leva ao próximo ponto: diferentemente dos jornais e das revistas, que são meios frios, do intelecto, a blogosfera, tanto quanto a televisão, é um meio “quente”, que combina o emocional com o intelectual.
Daí o sucesso, por exemplo, do discurso da professora do Rio Grande do Norte, que protestou contra as condições da educação em seu estado, que reproduzimos aqui. No vídeo da professora, a apresentação enfática acrescentou força à argumentação.
E a mensagem dela nunca sairia do Rio Grande do Norte não fosse a existência do You Tube: no tempo do Assis Chateaubriand, a professora jamais opinaria, por não ter dinheiro para comprar uma câmera, por não ter acesso a uma rede de televisão, por não ser uma “especialista” eleita por jornalistas.
Já escrevi, anteriormente, que o fenômeno das redes sociais está provocando uma revolução dos chamados “formadores de opinião”.
Isso se dá, em parte, pela dinâmica das redes sociais: os antigos “leitores” agora também são “produtores de conteúdo”; e, como digo sempre, são polinizadores. Distribuem os textos que julgam interessantes para os amigos, via twitter, orkut, facebook — a perder de vista.
Uma pergunta simples: você compraria um carro recomendado por um amigo ou por um estranho, com o qual não tem qualquer relação pessoal?
De outra parte, se dá também pelo caráter muito particular dos meios impressos:
1. Eles não contemplam a interação, são vias de mão única, são frios (na padaria, lendo o jornal, você já conseguiu obter uma resposta do colunista questionado por você?), pressupõe hierarquia entre autor e leitor.
2. A mídia corporativa, com seus múltiplos interesses econômicos, tende ao discurso “unitário”, centralizado, vertical, controlado do topo, distante da cacofonia da blogosfera e das redes sociais.
Mesmo que pontualmente, eu não concordo com 99% dos posts que reproduzo neste site. Nem, necessariamente, com os comentaristas. Mas posso citar dezenas de textos e livros e vídeos e documentários que li e vi a partir dos comentários. Ou seja, aprendi com os comentaristas. Quando muito, sou um mero administrador da “coalizão de vontades” dos frequentadores do site, como são muitos de meus colegas, do Luis Nassif (um pioneiro) ao Eduardo Guimarães, da Maria Frô ao Altamiro Borges, do Rodrigo Vianna ao Marco Aurélio Mello, do Paulo Henrique Amorim ao Idelber Avelar, do Rovai ao Marco Aurélio Weissheimer (com desculpas antecipadas aos não citados).
Essas coalizões não são formadas por néscios: nossos leitores são médicos, operários, engenheiros, sindicalistas, advogados, professores. Tem o Zé Povinho, o Stanley Burburinho, a Carmen Leporace. Não discriminamos por classe social, por conhecimento de gramática, por nickname.
As coalizões de vontades, como temos visto na Espanha, não respondem a uma liderança centralizada: elas são representativas de demandas amplas, sufocadas por instituições que não respondem ou foram corrompidas por colocar interesses privados acima do interesse público.
Alias, é preciso enfatizar que a blogosfera e as redes sociais, em si, não são revolucionárias. São apenas instrumentos. Os protestos no Egito e na Espanha jamais atingiriam as dimensões que atingiram se não existissem demandas sociais não atendidas institucionalmente.
Felizmente, para a oposição, o governo Dilma parece não ter compreendido essa dinâmica.
Pelo contrário. Independentemente do mérito da decisão, a forma abrupta como o Ministério da Cultura retirou de seu site o símbolo do Creative Commons — uma decisão, repito, banal — teve o dom de afastar do governo algumas centenas de militantes virtuais que, com seu conhecimento das redes sociais, eram responsáveis pela reprodução e multiplicação de textos, fotos, vídeos e notícias de apoio às políticas públicas do novo governo.
Faltou, ao governo Dilma, a capacidade de entender que o Creative Commons é — ainda que alguns digam tratar-se de ferramenta do “imperialismo” — resultado e ferramenta de uma “construção coletiva” do que poderíamos chamar de “nova política”: horizontal, multifacetada, compartilhada. Se o objetivo era detoná-lo do site do Ministério da Cultura, que pelo menos isso fosse feito a partir de um debate e de forma transparente, não como decisão hierárquica, unilateral, de “força”, de cima para baixo.
Ah, a soberba…
Por outro lado, se FHC teve a capacidade de perceber, em seu artigo, que nos períodos não eleitorais há gente disposta a fazer política nas redes sociais, é possível que um governador do PT, Tarso Genro, no Rio Grande do Sul, se torne o primeiro a “institucionalizar” a dimensão política das redes sociais, com a criação de um gabinete digital a partir da próxima semana. Só vendo no ar para saber se, de fato, haverá interação entre os eleitores e o Poder Público.
Como enfatizei acima, a característica central da blogosfera é ser, sempre, uma via de várias mãos.
Integrar as redes sociais à política requer, com certeza, uma nova forma de fazer política. Assim como requer, dos jornalistas, uma nova postura diante de leitores, ouvintes e telespectadores. Mas isso eu pretendo explorar melhor nas palestras que farei na próxima quarta-feira em Salvador e, em seguida, no Encontro de Blogueir@s e Tuiteir@s Gaúchos, em Porto Alegre.
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