terça-feira, 14 de junho de 2011

Histórias de repórter: o dia que Ricardo Teixeira tentou me me calar

Fonte: Blog do Lucas Figueredo



Ricardo Teixeira costuma fazer uma grande pressão para que os jornalistas o retratem como santo. Nem sempre dá certo
As recentes denúncias feitas fora e dentro do Brasilcontra Ricardo Teixeira, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), tem para mim um significado especial. O esquema que agora se descortina foi arranhado por mim – e a um custo alto – três anos atrás numa reportagem publicada nos jornais Correio Braziliense eEstado de Minas.
Em 20 anos de profissão, já havia sofrido muita pressão para engavetar uma apuração, mas poucas vezes elas foram tão intensas e ardilosas como no caso da pauta que envolveu Ricardo Teixeira.
Como diria Odorico Paraguaçu, é com a alma lavada e enxaguada que apresento a reportagem:
O elo perdido da corrupção mundial
Correio Braziliense e Estado de Minas, 13 de abril de 2008
Por Lucas Figueiredo
Suíça e Liechtenstein – O que alguns dos piores ditadores, mais temidos traficantes internacionais de drogas e maiores corruptos de todos os tempos têm em comum com o deputado Paulo Maluf (PP-SP) e com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira? Resposta: em algum momento da vida, todos eles fizeram suspeitas transações financeiras com um dos maiores lavadores de dinheiro do planeta. Seu nome: Herbert Batliner, advogado de Liechtenstein, paraíso fiscal da Europa.
A especialidade de Batliner é ajudar seus clientes a movimentar dinheiro pelo mundo sem deixar rastros. Ele já foi acusado de prestar serviços para gente do calibre de:
1) Pablo Escobar, o megatraficante colombiano, morto em 1993, que faturava anualmente US$ 30 bilhões com a venda de cocaína;
2) Mobuto Sese Seko, que por três décadas foi ditador do antigo Zaire (atual República Democrática do Congo), período no qual acumulou uma fortuna de US$ 5 bilhões;
3) Ferdinando Marcos, ex-presidente das Filipinas, um dos homens mais corruptos do mundo;
4) Jorge Hugo Reyes-Torres, o maior traficante de drogas do Equador, que antes de ser preso enviava mensalmente 500 quilos de cocaína para a Espanha;
5) Família Real Saudita, que controla com mão de ferro o país que detém a maior produção mundial de petróleo.
O que liga Paulo Maluf a Batliner é um endereço. Já com Ricardo Teixeira, a conexão se dá por intermédio de uma pessoa.
Paulo Maluf
Muita coisa já se falou das famosas contas bancárias de Paulo Maluf no exterior. Sabe-se que, na década de 1990, Maluf utilizou laranjas para movimentar pelo menos US$ 350 milhões em bancos europeus – principalmente na Suíça, na França e na Ilha de Jersey (Canal da Mancha). Sabe-se também que, por decisão da Justiça desses países, cerca de US$ 250 milhões estão congelados. O que não se sabia é que o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo utilizou os serviços de Herbert Batliner para movimentar boa parte dessa fortuna.
Uma das contas de Maluf na Suíça, de onde partiram remessas milionárias para Jersey, tinha como titular a Fundação White Gold (ouro branco). Conforme documentos em poder do Ministério Público, a fundação foi constituída por Maluf na cidade de Vaduz (capital do minúsculo principado de Liechtenstein), na Rua Aeulestrasse, número 74, caixa postal 86. Como constatou o Estado de Minas, no entanto, nesse endereço não funciona nenhuma Fundação White Gold, mas sim a First Advisory Group, empresa que tem como sócio Herbert Batliner.
A First Advisory Group serve como uma espécie de biombo para empresas fantasmas. Calcula-se que pelo menos 10 mil empresas de fachada usam o endereço comercial de Batliner. A Fundação White Gold é uma delas. Há outras, como a Fundação Pérolas Negras, controlada por Flávio Maluf, filho do deputado.
Batliner não opera apenas com a First Advisory Group. Na mesma Rua Aeulestrasse, no número 38, funciona a Prokurations-Anstalt, outra incubadora de empresas fantasmas pertencente a Batliner. No mesmo endereço da Prokurations-Anstalt estão registradas, por exemplo, as fundações Alyka e Abutera, que têm como beneficiária Lígia Maluf, filha do deputado Paulo Maluf.
Especialista em crime organizado, o ex-comissário de polícia da Suíça Fausto Cattaneo analisou a coincidência de endereços das empresas de Batliner e das fundações abertas pela família Maluf. Com os resultados da pesquisa, Cattaneo afirmou ao EM que não há dúvidas de que existe uma conexão suspeita entre o advogado de Liechtenstein e o deputado brasileiro.
Ouvido pela reportagem, o procurador-geral de Genebra, Daniel Zappelli, confirmou que, por ordem judicial, há dinheiro de Maluf congelado em bancos da Suíça. “Fizemos tudo o que pudemos no caso Maluf.” Segundo ele, é possível que os recursos sejam devolvidos aos cofres públicos brasileiros. “Mas primeiro o Brasil tem de provar que o dinheiro congelado na Suíça é produto de corrupção”, afirmou Zappelli.
Estado de Minas perguntou à assessoria de Maluf se o deputado e seus familiares confirmavam serem responsáveis pela abertura de fundações em Liechtenstein e se foram beneficiados com suas movimentações financeiras. OEM perguntou também se o deputado tinha conhecimento das conexões de Batliner com traficantes, ditadores e corruptos. A assessoria se limitou a responder que Maluf nunca teve contas bancárias no exterior.
Ricardo Teixeira
As ligações perigosas de Herbert Batliner no Brasil também se estendem a Ricardo Teixeira, presidente da CBF e principal articulador da escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014.
Como ficou comprovado em 2001 na CPI da CBF/Nike, uma das empresas de Teixeira, a R.L.J. Participações, tomou de empréstimo de uma firma de Liechtenstein, a Sanud Etablissement, uma quantia equivalente à época a R$ 2,9 milhões. Antes que o empréstimo fosse pago, porém, a Sanud Etablissement foi fechada. Integrantes da CPI chegaram a classificar a transação como lavagem de dinheiro, mas nada foi comprovado.
Porém, um dado suspeito passou ao largo da CPI: a Sanud Etablissement era uma costela de Herbert Batliner. Dois dos representantes da Sanud Etablissement – Alex Wiederkehr e Hans Gassner – eram sócios de Batliner na empresa Prokurations Anstalt.
Hans Gassner tem um passado complicado. No final dos anos 1990, ele se envolveu no escândalo do banco espanhol Banesto, no qual dirigentes da instituição desviaram de seus cofres cerca de 10 milhões de euros (o equivalente a R$ 27 milhões). A função de Gassner era movimentar o dinheiro e apagar sua origem.
Após analisar informações referentes a transações financeiras da empresa do presidente da CBF e da Sanud Etablissement, o ex-comissário suíço Fausto Cattaneo afirmou que, “assim como Paulo Maluf, Ricardo Teixeira tem conexões com Herbert Batliner”.
A assessoria de imprensa da CBF afirmou que Ricardo Teixeira não iria comentar o caso.
Fortunas
Com apenas 32 mil habitantes (número suficiente para encher apenas metade do Mineirão), o minúsculo principado de Liechtenstein – paraíso fiscal encravado entre a Suíça, a Alemanha e a Áustria – é um dos países mais ricos. O produto de exportação de Liechtenstein são as empresas fantasmas (há duas para cada habitante) e as instituições financeiras.
Nessa verdadeira lavanderia vip, destaca-se o nome de Herbert Batliner. Um gesto de generosidade de Batliner dá a dimensão de sua riqueza. Em 2006, ele e sua mulher, Rita Batliner, doaram ao Museu Albertina de Viena (Áustria) uma coleção de 500 quadros, avaliada em 400 milhões de euros (R$ 1 bilhão). Entre as obras, há preciosidades de Picasso, Monet, Renoir, Francis Bacon, Matisse, Cézanne, Modigliani e Miró.
Instalada na sede dos correios de Vaduz (capital de Liechtenstein), a caixa postal número 86 pertence à empresa First Advisory Group, do advogado Herbert Batliner. Batliner “aluga” a caixa postal, possibilitando a seus clientes que registrem com este endereço suas empresas de fachada. Paulo Maluf, por exemplo, abriu em Vaduz a Fundação White Gold, que tem como endereço formal: Rua Aeulestrasse, número 74 (mesmo endereço da First Advisory Group), caixa postal 86.

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