quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A mídia e a ideologia do denuncismo



Por Jorge Cid, no Viomundo:


O país vive um momento bastante delicado, e não de agora, mas de alguns anos. Não sei se pode ser considerado como marco, mas parece que ali começou a se montar a estratégia de luta da oposição no Brasil.

Falo do episódio em que, sem provas, foram defenestrados da Polícia Federal o Delegado Protógenes Queiroz e o Superintendente Paulo Lacerda. Digo sem provas, por que o áudio do suposto grampo que a revista Veja denunciou, como não, jamais apareceu. Conversa grampeada do ministro do STF, Gimar Mendes, e do Senador do DEM, Demóstenes Torres.


Conversa grampeada ou conversa fiada? Depois de tantos anos, é uma resposta que por simples parece ridícula, mas vejam a conclusão que chegou a Polícia Federal:

A Polícia Federal concluiu que não houve grampo ilegal nos telefones do então presidente do STF, Gilmar Mendes, no episódio em que foi divulgado diálogo com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Fonte: O Globo (25/12/2010).

Ora, mas cadê a terrível máquina de espionagem dos dois homens da Polícia Federal que serviu pra jogar suas carreiras e seus nomes na sarjeta?

Com este episódio, de uma trama pobremente armada, mas com os atores adequados, iniciou-se então a nova marcha dos novos, descendentes dos antigos TFP. Era possível sim acusar sem provas pessoas públicas indesejadas, usando invariavelmente os mesmos órgãos de mídia, repercutir as acusações por tempo suficiente para desmoralizá-los publicamente, fechar o cerco usando outros homens públicos que dessem “credibilidade” política e legal às acusações, até que, em meio a esse clima de caça às bruxas pós-modernas, se conseguisse o objetivo principal, tornar o governo e a democracia reféns da oposição. E sem precisar de qualquer tipo de debate ideológico para isso. A ideologia nas teclas de um PC.

Debate encurtado, currículos pisados, eis que surge uma nova estrela polar para guiar nossa oposição. Algum tipo de visão renovada, uma releitura dos tempos da inquisição, ou, mais no presente, dos tempos das delações tão comuns a regimes ditatoriais. Quantos espanhóis não morreram pelos novos métodos ressuscitados por nossa oposição? Milhares. Por brigas de vizinhos, desavenças pessoais de toda ordem, rixas de trabalho, foram motivo de denúncias anônimas nos primeiros anos do pós-guerra civil, que, invariavelmente, redundavam no fuzilamento do “vermelho” denunciado na porta da própria casa, no local de trabalho, no mercado público, onde fosse.

Sem idéias, atrelada aos velhos costumes conservadores das nossas elites, a oposição passou a gostar do novo método que transferia seu discurso aos grupos da grande mídia. Como já bem disse Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de São Paulo, “A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.”

Gostaram tanto desta nova prática, ainda que não tenha servido pra ganharem as últimas eleições presidenciais, que seu uso expandiu-se. De início acanhado, com alvos específicos, começaram já o novo governo fazendo do denuncismo torpe e inconseqüente a bandeira da nova moral e dos novos bons costumes. E aqui cabe um belo parêntesis. Não se trata de dar guarida ao malfeito, termo bastante do gosto da nossa presidenta, mas também não se pode dar vazão a denúncias sem qualquer tipo de prova.

Por mais óbvio e repetitivo que isso possa parecer, todos, igualmente, são inocentes até provas em contrário. Não para a nova-velha oposição, que, na ausência de idéias, na ausência de proximidade com os setores mais populares de nosso país, decidiu dar as mãos à baixaria e transformar em demônios os antes adversários. O debate abortado em favor de uma nova cabeça. Pra cada idéia sepultada, um ponto a menos de credibilidade.

Convenhamos, daí para a tentativa de golpe é um pulo, como foi um pulo do caso do grampo para a situação atual, de ministro por semana. Quem acha nisso um exagero, tem a oportunidade de votar em enquete proposta pelo jornal Folha de São Paulo em qual ministro será o próximo a cair. Um deboche do jornal à democracia no país. Quem será o próximo que conseguiremos decapitar?

Urge a necessidade de regular os meios de comunicação. E que não venham com o ultrapassado discurso da liberdade de expressão, pois não é o debate que pretende ser interditado, muito pelo contrário, ele é o motor de qualquer democracia, mas, sim, os abusos das oito famílias que comandam as comunicações no Brasil e cuja existência visa apenas manter seus privilégios através de seus políticos ventríloquos.

Se estivessem preocupados com a liberdade de expressão, não teria o jornal O Estado de São Paulo demitido a colunista Maria Rita Khel por ter escrito texto elogioso ao Programa Bolsa Família, ou não teria o jornal Folha de São Paulo entrado com ação na justiça que encerrou as atividades do blog Falha de São Paulo, uma sátira a matérias que eram veiculadas pelo jornal paulistano.

O que estes grupos defendem, claro está, não é a liberdade de todos expressarem-se, é o privilégio de somente eles expressarem-se. Não é o debate que importa, é apenas a opinião hegemônica da grande mídia. Ainda que parte destes órgãos sejam concessões públicas, financiadas com os impostos de todos. Aliás, na diferença entre a antiga e atual fatia de dinheiro público vindo da propaganda do governo é que reside toda a sanha virulenta do denuncismo atual.

A queda de receita da grande mídia, em detrimento da maior distribuição do bolo, é o cerne da questão, aliada ao histórico e conhecido preconceito de classes que tanto assombra as nossas elites desde o Brasil colônia. São os trinta do cansei de ontem, os trinta do ENEM de hoje, os trinta da corrupção, os trinta de sempre … mas com um enorme poder de fogo, e uma enorme capacidade para enterrar idéias.

* Jorge Plá Cid é doutor em geologia e servidor do Departamento Nacional de Produção Mineral.

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