domingo, 27 de novembro de 2011

Violência contra a mulher não é crime passional


Por Bia Cardoso, no Groselha News
Sandra Gomide, 32 anos, assassinada em 20 de agosto de 2000. Pimenta Neves, o ex-namorado editor de um grande jornal, deu dois tiros nas costas da vítima. Ele ficou preso de setembro de 2000 a março de 2001, quando o STF concedeu-lhe um habeas corpus para responder pelo crime em liberdade. Em maio de 2006, o Tribunal do Júri de Ibiúna condenou Pimenta Neves a 19 anos e dois meses de prisão. Desde a condenação, a defesa do condenado recorreu mais de 20 vezes ao STJ e ao STF. Depois de 11 anos do crime, Pimentas Neves foi preso no dia 24 de maio de 2011, por decisão do STF. Além da pena criminal, o jornalista também foi condenado a pagar R$ 166 mil de indenização por danos morais aos pais de Sandra, que teriam ficado doentes após a morte da filha. Em junho desse ano mais um recurso ao STF foi negado.
Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, assassinada em 13 de outubro de 2008. Lindemberg Fernandes Alves, então com 22 anos, invadiu o domicílio da ex-namorada. Eloá e sua amiga Nayara Rodrigues, também de 15 anos, foram mantidas como reféns por mais de 100 horas. Após diversas ações desastrosas da polícia, Nayara foi libertada com um tiro no rosto e Eloá faleceu com um tiro na cabeça e outro na virilha. Em março de 2001 a audiência de instrução começou a ser refeita por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Justiça paulista terá de decidir mais uma vez se Lindemberg, acusado de matar Eloá com dois tiros, irá ser submetido a julgamento popular pelo crime.
Mércia Mikie Nakashima, 28 anos, desapareceu em maio de 2010. Seu corpo foi encontrado 19 dias depois em uma represa na cidade de Nazaré Paulista. Segundo o laudo do IML (Instituto Médico Local) Mércia morreu afogada, mas antes foi ferida por tiro no braço esquerdo, na mão direita e no maxilar. Também foi atingida no rosto por outro objeto não identificado. O principal suspeito do crime é seu ex-namorado Mizael Bispo de Souza. O Ministério Público (MP) ofereceu denúncia contra Mizael por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Para o MP, Mizael matou Mércia por ciúme e por não se conformar com o término do relacionamento. A prisão preventiva de Mizael Bispo foi decretada no dia 7 de dezembro de 2010. Desde então, o acusado está foragido.
Eliza Samudio, 25 anos, desaparecida desde o início de junho de 2010. Ela lutava na Justiça para que o goleiro do Flamengo, Bruno, reconhecesse a paternidade de seu filho. Em outubro de 2009, a jovem já havia registrado queixa na Delegacia de Atendimento à Mulher contra Bruno. Ela teria sido agredida pelo jogador e obrigada a tomar uma bebida abortiva. No dia 4 de agosto de 2010, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou Bruno e nove réus por homicídio triplamente qualificado, sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver e corrupção de menor, exceto o ex-policial Bola, que responderá por dois crimes: homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Ate hoje o corpo de Eliza não foi encontrado. A juíza do caso está sob escolta policial devido a ameaças.
Suênia Sousa Farias, 24 anos, assassinada em 30 de setembro de 2011, com dois tiros na cabeça e um no tórax disparados pelo professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues. Rendrik esperou a universitária sair da faculdade, entrou no carro da moça e seguiu com ela até a cidade-satélite Recanto das Emas. A polícia acredita que os disparos podem ter ocorrido com o carro em movimento. Após rodar por horas com o corpo dentro do carro da vítima, Rendrik foi para a 27ªDP e se entregou. As duas faculdades de Brasília em que trabalhava o demitiram. Rendrik está preso em uma cela especial, no Complexo Penitenciário da Papuda. O local não possui grades e tem um espaço mais amplo. Apesar de várias tentativas da defesa, o ex-professor deve ficar preso até o final do julgamento. Está marcada para hoje, dia 25 de novembro, a primeira audiência de instrução para o julgamento.
Hoje, 25 de novembro, é Dia Internacional de Luta Pelo Fim da Violência Contra a Mulher. Um dia para relembrar a impunidade que permeia todos os casos citados nesse post, mas também as ações do Estados, da mídia e de nós mesmos, como lembram Mayroses e Cynthia Semiramis:

Por isso, ao invés de assistirmos passivamente a essa trágica história, devemos pensar sobre a nossa parcela de responsabilidade na violência contra as mulheres. Ela é fruto de uma sociedade patriarcal que naturaliza a submissão do corpo feminino e que reproduz cotidianamente discursos e práticas machistas que perpetuam essa situação. Assim, foram violentos os assassinos de Eliza, mas também foi violento o Estado que lhe negou proteção, a mídia que transformou sua morte em espetáculo e todos e todas que passivamente assistem ao desenrolar da história se achando no direito de condená-la por ser mulher.


Em todos esses casos, o que se tem em comum é o fato de as vítimas serem mulheres, e estarem sendo coagidas a cumprir o papel que aquela sociedade destina a elas. As mulheres que não se adaptam a esse sistema (“desobedientes”, “vadias”, prostitutas, de “gênio forte”, dentre outros termos afins) perdem o direito à autonomia e à própria vida. As agressões a elas são toleradas, inclusive pelo Estado, suas mortes não são lamentadas e seus agressores não são punidos; muitas vezes, serão até glorificados. Neste ponto, vale lembrar que houve negociações para que, no primeiro aniversário da morte de Eloá, seu ex-namorado concedesse entrevistas para a televisão.

Existem inúmeros outros casos no Brasil de jovens mulheres violentadas e mortas por companheiros ou ex-companheiros. Estes são alguns dos mais notórios. A expressão “crime passional” é utilizada muitas vezes para caracterizá-los. Porém, não existe crime passional. O amor, o ciúme ou a rejeição não são os motivadores desses crimes. O que há é machismo, sentimento de posse e a violência de uma sociedade patriarcal. A violência contra a mulher é real, não é fruto de um relacionamento fracassado, 87% dos agressores de mulheres são ex ou atuais companheiros. O caso de todas as mulheres citadas aqui não são casos isolados.

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